Salve salve pessoal…
Todos sabem que o Xbox não faz sucesso no Japão, mas será que é só uma questão cultural, ou existem mais coisas nessa história?
Atenção, esse post é longo, recomendo pegar aquela Tubaína com um pão com manteiga, e ler com calma rs…
TGS 2001, a apresentação do Xbox ao Japão
Em 30 de Março de 2001, o salão em Makuhari estava repleto de empresas de renome como Capcom, Tecmo, SEGA, Square, Namco, etc… e boa parte da imprensa mundial, para cobrir a apresentação de Bill Gates na Tokyo Game Show, todos queriam ver o Xbox. A Microsoft queria mostrar ao mercado de produtoras que iria entrar de forma séria nesse mercado, e queria que o Japão se sentisse importante para o Xbox. Mas o plano não deu muito certo.
Logo mostrando que a Microsoft buscava parcerias, Gates e o pessoal da SEGA subiram para anunciar 11 jogos para o Xbox (como Shenmue 2 e Panzer Dragoon ORTA), o discurso se falava sobre a importância do setor de jogos japoneses, e de sua admiração a Isao Okawa (ex presidente da SEGA), que morreu duas semanas antes dessa apresentação em uma batalha contra o câncer. Todos os japoneses estavam atentos e pareciam admirar a postura de Gates, mas quando as atenções começaram a ir para o Xbox, tudo começou a mudar…
O tom do discurso, mudou de indústria perspicaz, para campo de vendas do Xbox. Assim como ele havia anunciado a parceria, ele mostrou os 11 games que a SEGA estava projetando ao Xbox, além disso, mostrou um controle chamado S, que era um pouco menor do controle que seria lançado no ocidente, além de anunciar a criação da divisão Xbox Japan, que seria chefiada por Toshiyuki Miyata (ex-chefe de desenvolvimento de jogos da Sony).
Miyata demonstrou jogos como Azurik, Amped e Halo, sendo que outros games como Air Force Delta (Konami) e Dead Or Alive 3 (Tecmo), demonstravam o destaque ao apoio dos desenvolvedores japoneses, além disso, Gates ainda falou do 8GB de disco rígido interno e como ele faria diferença do Xbox perante seus rivais.
Ah Daniel, até agora não entendi o motivo dos japoneses não terem gostado do discurso… Então jovens, segundo John Greiner (presidente da MonkeyPaw, e durante muito tempo diretor da Hudson Entertainment), o Japão é diferente dos Estados Unidos quando se trata de relacionamento entre empresas, enquanto na América o lucro que dita as regras, no Japão a parceria é o que conta, e nesse caso a Microsoft quis mostrar seu Xbox ao mundo falando do lucro e do investimento, do que simplesmente fazerem parcerias com os estúdios asiáticos, logo os estúdios não acreditavam mais no potencial do Xbox, e achavam que ele seria vendido apenas para arrecadar dinheiro, e não para “fazer arte”, digamos assim.
Sendo assim, não foi passado claramente, um motivo principal das produtoras japonesas apoiarem a Microsoft, ao invés de Sony ou Nintendo.
Pré-TGS, preparações da Microsoft em território nipônico
Antes da TGS, a Microsoft já estava se preparando para a terra do sol nascente, Kevin Bachus e Seamus Blackley (dois cocriadores do Xbox), eles passaram muito tempo no Japão, e sabiam que lá seria um desafio enorme, pois na virada da década de 90, o Japão havia dominado o mercado, sendo que a Atari já havia morrido para os consoles com o Jaguar, e as grandes empresas estavam lá, sendo que o Playstation 2 era um enorme sucesso, e o GameCube estava prestes a chegar no mercado.
A ideia dos dois, era basicamente como em um jogo de futebol, jogar no campo do adversário, criar estratégias para ganhar os japoneses, mas nem tudo eram flores. No começo, a imagem do Xbox, era ligada ao PC, o que fazia sentido visto que ele utilizaria o DirectX, além de recursos online, disco rígido interno, etc.
Mas havia um problema no Japão, lá eles não eram habituados a criar jogos para PC, sendo que poucos estúdios faziam isso, empresas como Namco, Konami e Capcom, desenvolviam exclusivamente para consoles, logo eles não viam vantagem, em criar um game para PC e portar para o Xbox ou vice e versa. Com isso em mente, os japoneses pensavam que o Xbox era um console para jogos americanos por causa da sua aproximação com PCs. Essa era uma imagem que muitos consumidores já tinham consolidado em suas mentes.
Para ajudar um pouco na ideia, o design do Xbox era muito “americano”, grande, imponente, basta ver o primeiro controle do console, e logo os japoneses achavam que o console não era para eles.
Parece que tudo que a Microsoft tentava, o Japão relutava, quando eles trouxeram um game para o Japão com os personagens com apenas alguns dedos, os japoneses fizeram relação com os dedos de corte da Yakuza, logo a marca ficou mal vista novamente. Comentários como “X é a letra da morte” ou “preto é a cor da morte” faziam parte dos comentários recebidos pela Microsoft, porém os rivais faziam consoles pretos, então seriam dois pesos e duas medidas?
Ed Fries, até então vice presidente da Microsoft Game Studios, teve que modificar Halo para deixá-lo “mais fácil”, pois os comentários de consumidores, diziam que era muito difícil manusear os dois analógicos.
O controle “monstro”
Mas por incrível que pareça, boa parte dos japoneses estavam pensando em apenas uma coisa, o visual desengonçado do controle. J Allard (Diretor de Tecnologia da Microsoft) e o Cam Ferroni (Chefe de Software do Xbox) queriam criar um controle com tudo que eles gostassem dos rivais (expansões em cima do Dreamcast, dois analógicos do Playstation, seis botões frontais do Mega Drive / Sega Saturn), assim sendo, nascia um controle grande.
O controle foi nomeado como Duke, e eles colhendo as críticas da comunidade japonesa, todos falavam que isso não iria funcionar, os japoneses falavam que o controle tinha que ser leve, pequeno. Em pânico, Blackley e Bachus, criaram um programa para desenvolver um novo controle, que seria conhecido como Controle S, com o codinome Akebono, em referência a Akebono Tarō, primeiro lutador de sumô não japonês a chegar ao Yokozuna, maior ranking de sumô.
Só que existia um problema, não havia tempo para construir o controle até o lançamento, logo quando o console foi lançado, e a Microsoft divulgou o novo controle, havia uma outra dúvida no ar, os japoneses se perguntavam “esses caras sabem o que estão fazendo?”.
Acordos com as thirdies e o medo da Sony
A Microsoft buscou o apoio das thirdies japonesas, porém essas reuniões eram complexas, principalmente pelo medo dos editores japoneses em alienar a Sony, no Japão, diferente da América, lá quando é feito uma parceria, dificilmente eles desfazem algo, e assim sentiam medo se apoiassem a Microsoft.
Aconteceu algo similar, entre a briga do Mega Drive com o Super Nintendo, sendo que a Nintendo teve muitos exclusivos em terras nipônicas.
Bachus se lembra que foi em uma festa da Sony na E3 onde tinham vários editores famoso de games, e ele quando encontrou um dos caras que ele havia conversado no Japão, no começo ele fez uma cara como “hey”, depois ele percebeu que estava do lado de Ken Kutagari, e disse “Oh, oh, desculpe, eu conheço você?”.
A Microsoft havia ouvido que a Sony tinha taxas diferentes de fidelidade com editores, privilegiando alguns, a Microsoft queria criar um campo nivelado, com a mesma taxa de royalties, lucros e tudo mais, achando que seria mais justo, mas a mensagem que isso passou para as empresas japonesas foi “Eles pensam que podem comprar nossa lealdade”.
As parcerias com empresas japonesas
Para a indústria japonesa em geral, fazer games para o Xbox seria mais um custo, franquias grandes ainda poderiam vender bem em outras regiões (como foi com Soul Calibur 2 da Namco), mas e franquias menores? Como fazer valer o investimento, se o público japonês não abraçasse o console?
Apesar de tudo, a Microsoft era bem próxima da SEGA (por causa da parceria com o Dreamcast, sabia mais lendo esse artigo) e também da Tecmo, pois Blackley é amigo bem próximo de Itagaki (que era diretor da Team Ninja).
Inclusive, o que a Tecmo na época que Itagaki estava lá prestigiava na Microsoft, era o carinho que a empresa tinha por eles, como por exemplo, em uma reunião, a Microsoft sabia que eles tinham o desejo de fazer novamente o Ninja Gaiden, e ela sabendo disso, expressou que gostaria muito de ver no console dela, e faria de tudo para apoiar o projeto (saiba mais sobre a Team Ninja, lendo esse artigo), e por esse motivo a Team Ninja era uma grande parceira da Microsoft.
Essa era a diferença entre negócios no Japão e nos Estados Unidos, no Japão eles querem ter um relacionamento entre as empresas, nos States discutem um contrato que seja vantajoso para ambos os lados e pronto.
A Microsoft ainda conseguia algumas parcerias, como foi o caso com a Artoon, no qual ela injetou dinheiro, e eles desenvolveram o primeiro mascote para o Xbox, o Blinx (que depois o mascote oficial foi considerado o Master Chief de Halo). E também conseguiram alguns jogos exclusivos de empresas japonesas como a SNK, que mesmo após um tempo, lançavam o mesmo game e até com mais recursos para as plataformas rivais.
Apesar de tudo isso, a equipe do primeiro Xbox, sempre se recorda dos games que escaparam de suas mãos, como foi o caso do Resident Evil 4 (saiba mais lendo este artigo).
Um outro caso de game que escapou, foi com Fries, onde o processo envolvia a Square e o interesse era de lançar o Final Fantasy 11 na plataforma, porém a Square queria que o jogo fosse cross-play com o PC, e a equipe da Xbox Live em Redmond resistiu a ideia, eles não queriam a plataforma tão aberta, sem contar no desafio técnico para construir essa integração. Fries disse que assistia tudo como um acidente de trem, foi difícil convencer a Square, e quando tudo ia bem, vinha um banho de água fria da equipe interna.
Polêmicas no lançamento do primeiro Xbox
Os primeiros modelos de Xbox, possuíam um problema, as leitoras de disco acabavam riscando os discos dos jogos, foi um problema mundial, mas no Japão causou um certo alvoroço, pois lá, o mercado de revenda de games usados é muito grande, e um risco em um disco diminui muito o valor do jogo.
Esse problema, criava um arranhão rotativo na parte externa do disco,o que não interferia no processamento ou na jogabilidade do game, porém, interferiu e muito no mercado japonês.
Além de tudo isso, devido as baixas vendas, a Microsoft precisava cortar gastos e fazer demissões, isso na mídia japonesa também caiu como algo tipicamente americano, o que contribuiu ainda mais para a imagem negativa que o console tinha por lá.
Chega o Xbox 360, e a fama continua
Eis que chega no mercado o Xbox 360, e para os japoneses muitos olhavam descrentes para o console, preferiam esperar o Playstation 3, e ficar com o Playstation 2 e PSP do que comprar a plataforma da Microsoft, ainda mais pela reputação americanizada (com jogos como Gears Of War, Call Of Duty e Halo).
Outro fator que contribuiu, foi a mídia ótica utilizada, enquanto o Xbox 360 usava DVDs, o PS3 viria com suporte a Blu-Ray, que teria mais espaço para games, claro que a maioria das publishers nivelaram isso graças ao sucesso do Xbox 360, porém, para os japoneses esse foi um outro fator que contribuiu com a imagem negativa. Inclusive, a Digital Foundry, disse que “Final Fantasy 13 no Xbox 360 não é tão impressionante quanto o do Playstation 3”.
Injeção de dinheiro no Japão na era X360
Apesar de tudo isso, a Microsoft tomou uma decisão, injetar muito, mas muito dinheiro no mercado Japonês, criando games exclusivos como Blue Dragon (Mistwalker / Artoon), Lost Odyssey (Mistwalker), Ninja Blade (From Software), Ninety Nine Nights (Q Entertainment). Conseguindo exclusividades de jogos como Ace Combat 6 (Namco), Infinity Undiscovery (Square Enix), The Last Remnant (Square Enix), Samurai Shodown: Sen (SNK). E conseguindo até exclusividades temporárias de jogos como Tales Of Vesperia (Namco), Eternal Sonata (Namco), Ninja Gaiden 2 (Tecmo / Team Ninja).
Além de tudo isso, a Microsoft conseguiu quebrar várias exclusividades da Sony, jogos como Final Fantasy, Tekken, Star Ocean, Metal Gear, Resident Evil, etc… Jogos que eram vistos apenas no Playstation (alguns na Nintendo também), começaram a ser vistos no Xbox, isso começou a causar um certo conforto no público japonês, onde eles iam, eles viam que o produto se assemelhava a eles.
Mas nem tudo são flores, apesar do alto investimento, o retorno não era tão grande assim, ainda mais que alguns títulos queridos do Japão, como Tales Of Vesperia, logo após o lançamento, ganhou uma versão de PS3, e muitos japoneses ficaram frustrados tanto com a Namco quanto com a Microsoft.
Então o Kinect foi lançado, e novamente a postura da Microsoft muda, o que antes era focado em hardcore, agora o foco se torna casual (graças ao sucesso do Wii), mas isso no Japão não era muito relevante, afinal os casuais já estavam com a Nintendo, e os hardcores com a Sony, logo os japoneses começaram a sentir que o Xbox estava perdendo o espaço que tinha ganho.
Uma métrica de 2012 aponta que o Xbox 360, tinha passado 1,5 milhão de unidades no Japão, esse é um número bem expressivo para um console estrangeiro, para se comparar nesse período, o PS3 já tinha passado de 8 milhões, e o Wii de 12 milhões.
Atualmente, a era do Xbox One
A Microsoft no anúncio do Xbox One, perdeu muitos seguidores, desenvolvedores, empresas indies, etc… graças a postura “arrogante” adotada, falando sobre bloqueios de jogos usados, estar 100% online, foco em TV, Kinect obrigatório, etc… Mas com a chegada de Phil Spencer, pouco a pouco tiveram que retrabalhar a marca, tiveram que “relançar” o Xbox, mudar todos os conceitos negativos, e tornar a marca atraente novamente.
No Japão, aconteceu a mesma coisa, porém lá não se teve mais o incentivo, veja bem, na era do X360 e do PS3, o PS3 era extremamente complexo de se desenvolver, já o X360 era simples, logo empresas pequenas japonesas, ou as grandes, tomavam como preferência desenvolver no X360 e depois portar (quando dava para portar, alguém se lembra de Bayonetta?) para o PS3.
Com a chegada do PS4, a Sony deixou o kit de desenvolvimento mais fácil, e com o afastamento da Microsoft, logo as empresas pequenas japonesas, partiram tudo para o PS4, deixando o XOne de lado. Para ajudar ainda mais nesse cenário, muitas empresas japonesas fecharam exclusividades com a Sony como a Capcom (Street Fighter 5) e Team Ninja (Nioh).
Para vocês terem uma noção, a Team Ninja era uma grande parceira da Microsoft, mas com a saída de Itagaki, o lugar foi assumido por Yosuke Hayashi, e como decisão jogos como Dead Or Alive 5 e Ninja Gaiden 3 (que tinham preferências de exclusividade na plataforma da Microsoft), se tornaram multi plataforma, inclusive foi perguntado a ele sobre a Microsoft no Japão, e ele disse “Sony e Nintendo nasceram no Japão. Elas são empresas japonesas, é daí que vieram. A Microsoft é americana, é daí que ela veio”.
Phil Spencer correu para o Japão para tentar salvar algumas coisas e os relacionamentos, e com isso conseguiu jogos como Dragon Ball FighterZ (Namco / Arc System Works), Monster Hunter (Capcom), série Ys (DotEmu), etc… Claro que a maioria desses games, o público que será atingido é o público americano que gosta de games japoneses.
Agora o que resta aos fãs da marca Xbox que gostem de games japoneses, é esperar para ver os frutos das viagens e relacionamentos com empresas japonesas.
Referências:
– kotaku.com
– eurogamer.net
Bom pessoal, por hoje é só.
Abraços e até a próxima.
Parabéns pelo material de qualidade Daniel, conteúdo muito bom, claro e objetivo.
A gente não faz ideia do que as empresas passam não é? Parece um mercado tranquilo de “joguinhos” mais é cada perrengue que eles passam, não é a toa que existem tantas mudanças drásticas nesse ramo, acredito que ou você se adapta ou morre, com exceção da Nintendo né.
Continue assim meu amigo, abraços!
Pode crer Zézinho.
A Nintendo é fora da curva né rsrsr…
Um grande abraço.
Caramba, interessante a matéria Daniel.
Eu já sabia que no Japão o Xbox não era muito forte, mas não tinha a menor ideia de qual o motivo disso. Duro que infelizmente tudo por uma cultura deles, já que é um baita de um console que oferece muita coisa diferenciada. Mas aí tem a outra ponta da história, a Nintendo é muito forte no Japão, mas em compensação no resto do mundo (Europa e América do Sul) perde mercado para Sony e Microsoft. O que acho interessante é que a Microsoft se esforça bastante para de adaptar ao mercado, inclusive sendo ela que olhou para nossas terras tupiniquins e fez com que Sony viesse em seguida para o nosso mercado pra não ficar atrás.
Parabéns mesmo pelo conteúdo.
Grande Jacky, há quanto tempo man.
Sim sim, vamos ver o que o futuro nos reserva né.
Um grande abraço.